Resenha: Uma Mulher no Escuro – Raphael Montes

Uma viagem à escuridão da mente — e à luz da escrita nacional
Desde que comecei a explorar o universo da literatura brasileira contemporânea, sempre busquei autores que conseguissem, com sensibilidade e técnica, traduzir emoções complexas em narrativas instigantes. Quando li Uma Mulher no Escuro, do Raphael Montes, fui completamente envolvida por essa combinação rara: uma escrita ágil e acessível, com camadas profundas de tensão psicológica, mistério e humanidade.
Para ser bem sincera, o que primeiro me chamou a atenção foi a capa. A ilustração do ursinho, ao mesmo tempo infantil e perturbadora, já me deixou desconfortável — no melhor sentido da palavra. Tive aquela sensação de que estava prestes a embarcar em uma história que ia mexer comigo. E foi exatamente isso que aconteceu. O livro não apenas me prendeu do começo ao fim, mas também me fez refletir sobre como lidamos com traumas, confiança e as sombras que carregamos, muitas vezes, por toda a vida.
Conhecendo Raphael Montes
Antes dessa leitura, eu ainda não conhecia o trabalho do Raphael Montes, e confesso que foi uma grata surpresa descobrir um autor brasileiro tão jovem, mas com uma maturidade literária impressionante. Ele nasceu em 1990, no Rio de Janeiro, e já tem um currículo de respeito: vencedor do Prêmio Jabuti, autor de sucessos como Suicidas, Dias Perfeitos, O Vilarejo e Jantar Secreto, além de roteirista da série Bom Dia, Verônica, da Netflix. É admirável ver como ele transita com tanta naturalidade entre o terror, o suspense e o psicológico, sem perder o toque humano e sensível nas histórias.
Uma protagonista ferida e real

Em Uma Mulher no Escuro, acompanhamos a história de Victoria Bravo, uma mulher que sobreviveu a um trauma brutal ainda na infância: ela tinha apenas quatro anos quando presenciou um crime brutal dentro de casa. O único “objeto” que sobrou desse passado foi um ursinho de pelúcia — manchado de sangue. Já dá para imaginar o impacto psicológico que isso teria na vida de qualquer pessoa, não é?
Anos depois, já adulta, Victoria é uma mulher extremamente reservada, quase reclusa. Vive sozinha num apartamento na Lapa, no Rio de Janeiro, cercada por poucos vínculos: a tia avó que a criou, um psiquiatra que a acompanha há anos, e um amigo que conheceu pela internet. A rotina dela é marcada por isolamento, medos e tentativas de manter algum controle sobre sua vida emocional. É uma personagem profundamente humana, e eu me vi muitas vezes refletindo sobre como a dor não desaparece com o tempo — ela apenas muda de lugar dentro de nós.
E então, claro, a vida dela vira de cabeça para baixo: sinais estranhos começam a surgir, indicando que o assassino de sua família pode ter voltado. A partir daí, Raphael Montes nos conduz por uma espiral de tensão crescente, onde nada é o que parece e todos são suspeitos. O amigo da internet? O psiquiatra? Um novo pretendente que surge misteriosamente? A cada capítulo, eu me pegava duvidando de todos — inclusive da própria Victoria.
O suspense psicológico que prende até a última página
Se você gosta de histórias que mexem com a sua cabeça, Uma Mulher no Escuro é uma leitura obrigatória. Raphael Montes tem uma escrita que não faz firulas: é direta, quase cirúrgica. E isso, ao contrário do que se possa imaginar, só contribui para que a história nos envolva ainda mais. Cada frase carrega um propósito. Não há exageros, não há romantização, não há desperdício. É tudo preciso e pensado para construir uma tensão que cresce de maneira quase insuportável — e irresistível.
O grande trunfo do livro, para mim, está no aspecto psicológico. A forma como a narrativa nos insere na mente de Victoria, nos seus traumas e paranoias, é tão bem feita que, em muitos momentos, me senti dentro da cabeça dela. Comecei a duvidar das intenções das pessoas ao redor dela, a questionar se ela estava exagerando, ou até mesmo imaginando algumas coisas. Montes brinca com a nossa percepção da realidade, e faz isso com uma habilidade impressionante.
Narrativa fluida, mas cheia de camadas

Outra coisa que me conquistou no livro foi o equilíbrio entre acessibilidade e profundidade. A linguagem é simples, sem ser superficial. Montes consegue falar sobre temas pesados — como luto, saúde mental, abuso emocional — sem cair na armadilha do didatismo ou da obviedade. Ele respeita a inteligência do leitor e, ao mesmo tempo, nos oferece uma trama instigante, com reviravoltas bem construídas e um ritmo que não deixa a peteca cair.
Confesso que em alguns trechos tive que fechar o livro por alguns minutos. Não por estar entediada, muito pelo contrário. Mas porque certas passagens me fizeram refletir sobre minhas próprias dores e traumas. Victoria, com toda a sua fragilidade, força e complexidade, poderia ser qualquer uma de nós. Isso torna a leitura ainda mais poderosa.
Personagens reais em um mundo duvidoso
Os personagens secundários também são bem construídos. Arroz, o amigo online de Victoria, é ao mesmo tempo simpático e enigmático. O psiquiatra, sempre calmo e racional, desperta desconfiança com sua serenidade constante. Já o novo interesse amoroso de Victoria traz aquele frescor de romance, mas também levanta uma grande interrogação: será que podemos realmente confiar em alguém quando não confiamos nem em nós mesmos?
Essa ambiguidade moral, esse jogo de aparências, é um dos pontos altos do livro. Montes não entrega respostas fáceis. Ele nos força a lidar com a insegurança, com o medo e com a dúvida — exatamente como Victoria faz. E isso é, ao mesmo tempo, angustiante e fascinante.
O final: inquietante e genial
Sobre o desfecho… bem, sem spoilers. Mas posso dizer que Raphael Montes entrega um final à altura da tensão construída ao longo da narrativa. É um encerramento que não apenas surpreende, mas também emociona e deixa espaço para reflexão. Há uma espécie de “paz inquieta” quando se vira a última página — aquela sensação de que a história acabou, mas continuará reverberando na sua mente por muito tempo.
O autor não se preocupa em entregar um final “bonitinho” ou inteiramente explicado. Ele respeita a complexidade da história e da protagonista, e nos deixa com a responsabilidade de tirar nossas próprias conclusões. Para mim, esse é o sinal de um bom livro: quando ele continua ecoando em nós mesmo depois de fechado.
Uma crítica necessária
Apesar de todo o mérito, reconheço que o livro pode não agradar a todos os públicos. Leitores que esperam soluções fáceis ou explicações lógicas para cada evento podem se frustrar com algumas ambiguidades e com o tom sombrio da narrativa. Além disso, a forma intensa com que o trauma é explorado pode ser sensível demais para alguns leitores.
Mas, sinceramente? Acho que esse desconforto é necessário. Uma Mulher no Escuro não veio para oferecer conforto. Veio para nos confrontar. E isso, para mim, é o que a boa literatura deve fazer de vez em quando.
Conclusão: Um mergulho corajoso nas sombras
Uma Mulher no Escuro é mais do que um thriller psicológico. É um retrato sensível e corajoso de uma mulher marcada pela dor, tentando se reconstruir em meio ao caos. Raphael Montes, com sua narrativa ágil e afiada, nos oferece uma história envolvente, mas também um convite à empatia, à escuta e à compreensão das feridas invisíveis que tantos carregam.
Terminei o livro com o coração acelerado, os pensamentos embaralhados e a certeza de que Raphael Montes é, sem dúvida, um dos grandes nomes da literatura policial brasileira. Se você gosta de histórias que desafiam sua percepção, que mergulham no abismo da mente humana e que não têm medo de tocar na dor — leia este livro. E se prepare para se surpreender por ele, assim como eu fui.
E se você é fã de Thriller Psicológico que oferecem mais do que uma simples narrativa, Uma Mulher no Escuro é uma leitura obrigatória. Gostou da análise? Comente abaixo e compartilhe suas impressões! Não se esqueça de compartilhar este artigo nas redes sociais e interagir conosco no Meu Refúgio Literário! Queremos saber o que você acha!
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